Alimentos antioxidantes e câncer

Texto elaborado pelas Dras. Gabriela Andrello Paschoal e Viviane Sant’Anna, nutricionistas do Depto. Científico da VP Consultoria Nutricional

Em março de 2013, o Jornal “O Globo” publicou uma matéria com o título “Alimentos antioxidantes causam câncer e diabetes, segundo vencedor de Nobel”, mostrando que o consumo de antioxidantes provenientes de alimentos (mirtilo e frutas vermelhas) e de suplementos alimentares podem intensificar o aparecimento de câncer e diabetes tipo 2.

Segundo a matéria, o pesquisador, vencedor do prêmio Nobel em 1962, por ter redescoberto a dupla hélice de DNA, James Watson, garante que a ideia de que os antioxidantes previnem doenças não sobrevive a “estudos sérios”. Além disso, o autor também relata um estudo a respeito do uso de suplemento de vitamina E, o qual teve que ser interrompido, devido ao aumento da incidência de pacientes com câncer de próstata após consumo frequente dessa vitamina. Ainda, James faz referência ao pesquisador Ewan Camerom, o qual defendia o potencial da vitamina C contra o câncer e morreu aos 93 anos com câncer de próstata e ingerindo12g de vitamina C diariamente.

Sustentando as afirmações do pesquisador James, foram identificados alguns estudos de testes aleatorizados e controlados, que avaliaram a eficácia do β-caroteno na prevenção de câncer. Um dos estudos, o ATBC (Alpha-Tocopherol, Beta-Carotene Cancer Prevention Study), realizado na Finlândia, investigou a associação entre a ingestão de β-caroteno sintético e all-rac-α-tocoferol e a incidência de câncer de pulmão e de mortalidade por câncer em 29.133 tabagistas. Os resultados deste estudo demonstraram que, além de os participantes não responderem de forma positiva à suplementação, foi observado que houve um aumento na incidência de câncer de pulmão e de mortalidade total. Outro estudo, o CARET (Beta-Carotene Retinol Efficacy Trial), que avaliou eficácia da suplementação com β-caroteno e palmitato de retinol em tabagistas expostos a asbestos (uma população de alto risco para câncer de pulmão) por um período de aproximadamente cinco anos, também mostrou um aumento na incidência de morte por qualquer causa, incluindo câncer de pulmão.

Além desses estudos, o estudo PHS (Physician’s Healthy Study), que também investigou a relação entre o consumo de β-caroteno (administrado em doses dez vezes superiores ao recomendado) e a incidência de câncer ou mortalidade por todas as causas, mostrou que não houve nenhuma diferença entre o grupo suplementado e o grupo placebo.

Em todos os estudos acima, houve um excesso de ingestão de β-caroteno pelos participantes, que o torna pró-oxidante, ocasionando efeitos tóxicos ao organismo e podendo potencializar o processo oxidativo crônico presente nos pulmões de tabagistas inveterados.

Do mesmo modo, o excesso de vitamina C possui efeito pró-oxidante, por aumentar a absorção de ferro, a demanda de oxigênio e do radical ascorbil, podendo estar relacionado ao diagnóstico de câncer de próstata, apontado como causa de morte de Ewan Camerom. Segundo as Dietary Reference Intakes (DRIs), doses de vitamina C superiores a 2g/dia apresentam risco de toxicidade.

O mesmo pode ser observado ao se avaliar o artigo “Oxidants, antioxidants and the current incurability of metastatic cancers” publicado por James, que envolve análise de estudos com administração de suplementos de vitaminas de forma isolada e com dosagens acima do limite máximo de ingestão (UL) dos nutrientes em questão.

Várias hipóteses têm emergido na tentativa de explicar os efeitos negativos da suplementação com multivitaminas/ minerais sobre a prevenção de doenças crônicas. No entanto, é necessário ter cautela para interpretar os resultados que são obtidos, devido ao número de fatores que afetam a eficácia e segurança do uso de suplementos na prevenção de doenças crônicas, tais como: biodisponibilidade dos nutrientes, interação nutriente/nutriente e droga/nutriente, forma química, dosagem dos suplementos, tempo e duração de uso, além da individualidade bioquímica, polimorfismo genético, susceptibilidade genética, padrão alimentar, idade, raça e exposição à luz solar.

Ainda, muitos desses estudos não empregam metodologias adequadas para o estabelecimento de associação estatística entre ingestões de micronutrientes e seus efeitos profiláticos, e não se preocupam com o controle da dieta dos participantes, em termos de suprir as recomendações de vitaminas e minerais e controlar a quantidade de componentes bioativos consumidos, o que é de grande valia para a interpretação dos resultados.

Alguns estudos não levam em consideração que a quantidade de um nutriente está diminuída no plasma em decorrência da deficiência de outros nutrientes, já que são desviados para exercer outras funções para o funcionamento do organismo, na tentativa de manter a homeostasia orgânica.

Outros não avaliam que o estresse (social, mental ou físico) dos participantes faz com que haja, no decorrer da investigação, alteração dos seus níveis de antioxidantes, que, no momento da coleta de dados, poderiam se apresentar diminuídos.

Além de contestar os efeitos dos suplementos com ação antioxidante, James também alega que o consumo de alimentos com tal propriedade pode trazer prejuízos à saúde e comenta na entrevista que o mirtilo, por exemplo, deve ser “consumido porque é gostoso, e não para evitar câncer”, no entanto, não há estudos que avaliaram os efeitos pró-oxidativos da ingestão de mirtilo e aumento do risco de doenças, como o câncer. Em contrapartida, existem alguns estudos que mostram que as antocianinas desse alimento são capazes de inibir o crescimento de células tumorais.

Os compostos bioativos presentes nesse fruto variam entre antocianinas, ácido clorogênico, ácido alfa-linolênico, resveratrol e vitaminas. Após seu consumo, as antocianinas são encontradas em vários órgãos, inclusive o cérebro. Além disso, tem sido demonstrado que o mirtilo atua também na redução do risco de doenças crônicas, como hiperlipidemia, hipertensão arterial, neurodegeneração, obesidade e osteoporose, devido ao seu anti-inflamatório, antioxidante e antiangiogênico.

Diante do exposto acima, percebe-se a importância do uso de suplementos sob supervisão de um profissional qualificado, médico e nutricionista, que irá avaliar as necessidades nutricionais de cada indivíduo de forma a não exceder as doses recomendadas pelos órgãos que regulamentam a suplementação, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária e as DRIs.

Cada organismo reage de forma diferente frente às mesmas dosagens de micronutrientes; dessa forma, estudos deveriam ser realizados empregando-se ferramentas que considerem o metabolismo do indivíduo.

Ainda, é necessário manter sempre uma dieta saudável, composta por alimentos naturais e integrais e que seja equilibrada em macronutrientes, micronutrientes, fitoquímicos e outros compostos bioativos com ação antioxidante, para que eles não excedam a dose segura para evitar qualquer risco à saúde. Além disso, é fundamental priorizar a obtenção desses componentes por meio da ingestão de alimentos, visto que estes possuem uma variedade de micronutrientes e substâncias bioativas em sua composição, que agem sinergicamente, reduzindo o risco de efeitos pró-oxidativos, causados geralmente quando há administração de suplementos com um único composto isolado.

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Fonte: http://www.vponline.com.br/blog/?p=224
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